Foi executado em meio pobre, mas quase sempre solicitado para em mesa ou cama nobre.
O bordado está presente na ilha desde os primitivos tempos da ocupação. A tradição de bordar, do local de origem dos povoadores, acompanhou-os na travessia atlântica e instalou-se no novo espaço. Deste modo borda-se na ilha desde o início do povoamento. Bordava-se em linho, algodão, seda e organdy para se fazerem toalhas de mesa, peças decorativas, jogos de cama e peças de vestuário, nomeadamente feminino. A leitura de alguns testamentos revela-nos que muitas daquelas peças de vestuário passavam de pais
para filhos, não apenas pelo valor sentimental, mas também, pela raridade e riqueza do bordado.
Era trabalho de inestimável valor que, por isso mesmo, não podia ser vendido, apenas era de usufruto familiar, prenda de enxoval ou legado por morte. Por muito tempo o bordado foi considerado um produto não vendável, que raramente saia do circuito familiar.
Os alemães trouxeram as mais significativas inovações tecnológicas para o sector e alteraram por completo o processo de produção do bordado. A bordadeira passa a assumir apenas a função de bordar, sendo-lhe impostos os panos, os linhos e os desenhos. Esta mudança implicou a o aparecimento de novos intervenientes no processo e à afirmação das imponentes casas de bordados na cidade. As vetustas casas de vinho e até mesmo alguns hotéis mudam de inquilino e de funções. A partir do último quartel do século dezanove o bordado é uma das principais riquezas, enquanto o vinho agonizava vítima do oídio e filoxera.
O século XIX anunciou-se como a época dourada do bordado madeirense.
Apenas os conflitos mundiais e a concorrência de outras áreas fez perigar esta esperança dos madeirenses. A primeira Guerra Mundial afugentou os alemães mas trouxe os sírios que contribuíram, ainda que por pouco tempo, para o reforço do mercado norte-americano. As dificuldades dos anos vinte afugentaram os sírios, mas não acabaram com o bordado. Isto foi o princípio do retorno do bordado às mãos dos madeirenses.
O bordado Madeira, perante as dificuldades evidentes de um mercado limitado e exigente, não agonizou, antes pelo contrário soube vencer as dificuldades, diversificando os mercados e ajustando-se às exigências dos clientes. A inovação esteve sempre presente no historial do bordado a partir dos anos oitenta. Esta situação continuou até aos dias de hoje e as novas tecnologias e o Design entraram como tábua salvadora da tradição de bordar no novo milénio. Em todo este processo foram fundamental o trabalho e paciência da bordadeira anónima, a peça fundamental deste processo mas a que menos usufrui.
A história regista dois produtos que ontem como hoje, são a imagem de marca do arquipélago. A Madeira identifica-se pelo vinho e bordado, que correram mundo. Foram, e continuam a ser, produtos de grande interesse económico que sempre deram aos estrangeiros a mais elevada maquia e ao madeirense uma magra esmola.
O bordado pode muito bem ser entendido como uma obra de arte. Mas acontece que aqui o artista é anónimo. O desenhador, que traça de forma primorosa os motivos florais e a composição é anónimo, bem como a bordadeira, que com mãos de fada, lhe dá forma e relevo.
Brasil: Livro resgata história de bordadeiras da Ilha da Madeira
2008-08-29
São Paulo, Brasil, 29 Ago (Lusa) - A história de cinco bordadeiras que deixaram a Ilha da Madeira para viver no Brasil, na década de 50, e que ainda mantêm viva a tradição do bordado, é resgatada num livro lançado esta semana em São Paulo.
"Bordadeiras do Morro São Bento - A vida tecida entre o linho e as linhas" é resultado de uma tese em Gerontologia (estudo da velhice) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da brasileira Gisela Kodja, 50 anos.
O livro inclui narrativas das bordadeiras que vivem no Morro São Bento, local que concentra uma grande comunidade portuguesa, na cidade de Santos, no litoral do Estado de São Paulo.
"Como neta de sírio-libaneses, esse sentimento de quem deixa a sua terra natal para nunca mais voltar sempre me intrigou muito", disse a autora à agência Lusa.
"Decidi então resgatar a história oral abandonada dessas bordadeiras que já chegaram a formar um grupo de 300 mulheres, mas que hoje não têm herdeiras no ofício", assinalou.
Com idades entre 76 e 81 anos, as entrevistadas, Dona Isabel, Beatriz, Maria Teresa, Maria Alexandre e Maria Paixão, herdaram o ofício de suas mães, bordam desde crianças.
Valorizado e símbolo de status local no século passado, o bordado da Ilha da Madeira ofereceu uma oportunidade de reforçar o orçamento doméstico e garantir respeito e visibilidade em terra estrangeira.
Nas décadas seguintes, entretanto, com o aumento da oferta de tecidos em grande escala pela indústria, a procura do bordado da Ilha da Madeira diminuiu.
Em meados de 1980, as portuguesas fundaram a União das Bordadeiras do Morro São Bento e começaram a dar aulas de bordado.
"Essa actividade que, com tanta intensidade, preencheu a existência dessas mulheres, não despertou o interesse de suas filhas e netas", salientou Kodja.
"As gerações seguintes declaram admiração e respeito pelo bordado, mas não fazem dessa arte o seu ofício. No Morro São Bento, o bordado da Ilha da Madeira é um tesouro sem herdeiros", concluiu a autora.
Actualmente, quatro dessas bordadeiras (Dona Beatriz faleceu) oferecem cursos de bordados em duas associações comunitárias de Santos.
Na óptica de Gisela Kodja, "o bordado é uma conversa interior, com o passado, com o afecto da infância, recompõe a história pessoal, é uma forma de sobreviver numa terra estrangeira".
A autora avançou o desejo de lançar também na Ilha da Madeira o seu livro, que traz fotos de Marcos Piffer e tem o patrocínio do Instituto Cultural de Artes Cênicas do Estado de São Paulo (Icacesp).
"Seria o máximo ter a oportunidade de apresentar também ao povo da Ilha da Madeira tudo o que essas cinco bordadeiras realizaram tão longe de lá ao longo de suas vidas", afirmou.